

Inquérito policial
O inquérito policial (IP) é um procedimento administrativo pré-processual, o que significa que não integra o processo penal propriamente dito. Trata-se de um procedimento de natureza inquisitória, ao contrário do processo penal, que adota o sistema acusatório.
Conforme Lima (2017), o inquérito policial é:
"Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, o inquérito policial consiste em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa, objetivando a identificação das fontes de prova e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e à materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo." (LIMA, 2017, p. 105)
Assim, a principal função do IP é reunir elementos de autoria e materialidade para viabilizar o ajuizamento da ação penal. Em razão de sua natureza inquisitória, alguns direitos, como o contraditório e a ampla defesa, são restringidos durante esta fase, já que, sendo meramente investigativa, ainda não há ação penal instaurada.
O inquérito policial também possui algumas características específicas. Deve ser escrito e formal, conforme dispõe o art. 9º do Código de Processo Penal (CPP): “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.” Ademais, é indisponível, o que significa que, uma vez instaurado, a autoridade policial não pode arquivá-lo por vontade própria, sendo o arquivamento possível apenas mediante decisão judicial, conforme previsto no art. 18 do CPP (MOREIRA, 2016).
Outra característica importante é sua natureza oficiosa: nas ações penais públicas incondicionadas, a autoridade policial deve instaurar o inquérito independentemente de provocação (MOREIRA, 2016). Além disso, o IP é oficial, devendo ser presidido por autoridade policial (delegado de polícia), é sigiloso — como estabelece o art. 20 do CPP, que determina a preservação do sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade — e discricionário, pois o delegado tem liberdade para conduzir o procedimento conforme entender adequado.
Sobre essa discricionariedade, Lima (2017) ressalta:
"Não há falar, em sede de investigação policial, em obediência a uma ordem predeterminada e rígida, o que não infirma sua natureza de procedimento, já que o procedimento pode seguir tanto um esquema rígido quanto flexível." (LIMA, 2017, p. 105)
Assim, o delegado conduz o IP com flexibilidade, realizando as diligências que julgar necessárias, sem que isso configure arbitrariedade.
Outro ponto importante é que eventuais vícios ocorridos no inquérito não contaminam o processo penal, pois o IP é apenas uma peça informativa. No entanto, provas obtidas mediante violação de direitos fundamentais serão consideradas ilícitas e deverão ser desentranhadas dos autos, sem que isso implique, necessariamente, a nulidade de todo o inquérito (LIMA, 2017).
Além de reunir elementos para a propositura da ação penal, o inquérito também é essencial para a decretação de medidas cautelares. Entretanto, em razão da ausência de contraditório e ampla defesa, os elementos informativos produzidos no IP não podem, por si sós, fundamentar uma decisão judicial condenatória.
Conforme Lima (2017):
"[...] tais elementos podem ser usados de maneira subsidiária, complementando a prova produzida em juízo sob o crivo do contraditório." (LIMA, 2017, p. 107)
Portanto, os elementos colhidos no inquérito podem ser utilizados de forma complementar à prova judicializada, mas nunca como único fundamento para a decisão.
Por fim, segundo o art. 10 do Código de Processo Penal, o IP deve ser concluído no prazo de 10 dias caso o indiciado esteja preso (em flagrante ou preventivamente) e em 30 dias se estiver solto.
Instauração
Para a instauração do inquérito policial, a autoridade policial deve observar determinadas formalidades legais previstas no art. 5º do Código de Processo Penal (CPP):
Art. 5º Nos crimes de ação pública, o inquérito policial será iniciado:
I - De ofício;
II - Mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
§1º O requerimento previsto no inciso II deverá conter, sempre que possível: a) A narração do fato, com todas as suas circunstâncias; b) A individualização do indiciado ou seus sinais característicos, bem como as razões de convicção ou presunção de sua autoria, ou, ainda, os motivos que impeçam essa identificação; c) A nomeação das testemunhas, indicando suas profissões e residências. (BRASIL, 1941)
Nos crimes de ação penal pública incondicionada, o inquérito poderá ser instaurado diretamente pela autoridade policial ou por provocação do Ministério Público.
Segundo Romeu de Almeida Salles Júnior:
"A lei não definiu um rito para a elaboração do inquérito policial. Dispõe apenas, no art. 6º do estatuto processual penal, que, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, o delegado poderá promover diligências, dentre elas, se possível, dirigindo-se ao local para providenciar no sentido de que não seja alterado o estado de conservação das coisas." (JÚNIOR, s.d.)
A instauração do inquérito policial pode ocorrer de diversas formas: de ofício, mediante requerimento, mediante requisição e em razão do auto de prisão em flagrante.
Instauração de ofício
O inquérito instaurado de ofício ocorre por iniciativa do delegado de polícia, que, ao tomar conhecimento da prática do crime, dá início às investigações, determinando a instauração do procedimento. Nesse caso, o delegado lavra a portaria inaugural que formaliza o início do inquérito.
Instauração mediante requerimento
Quando o inquérito é instaurado mediante requerimento, o ofendido ou seu representante legal solicita à autoridade policial a instauração do procedimento investigativo. Esse requerimento deve narrar detalhadamente os fatos, identificar o acusado ou descrever seus sinais característicos, apresentar os fundamentos que indicam sua autoria e indicar testemunhas, com suas respectivas profissões e residências.
Instauração mediante requisição
Na instauração mediante requisição, o inquérito é iniciado por determinação da autoridade judicial ou do Ministério Público. Nessas hipóteses, o delegado de polícia é obrigado a instaurar o inquérito. Ao tomar ciência da infração, o juiz deve comunicar a autoridade policial para que esta promova as diligências necessárias à apuração dos fatos e viabilize a propositura da ação penal.
Instauração em razão do auto de prisão em flagrante
Quando há prisão em flagrante delito, o delegado não deixará de instaurar o inquérito policial. Nesses casos, o próprio auto de prisão em flagrante servirá como portaria inaugural. De acordo com o art. 27 do Código de Processo Penal Militar:
Art. 27 Se o auto de flagrante delito, por si só, for suficiente para a elucidação do fato e da autoria, ele constituirá o inquérito, dispensando outras diligências, salvo o exame de corpo de delito, nos crimes que deixem vestígios, bem como a identificação e avaliação da coisa, se seu valor influir na aplicação da pena. A remessa dos autos, com breve relatório da autoridade policial militar, far-se-á sem demora ao juiz competente, nos termos do art. 20. (BRASIL, 1969)
Diligências
Iniciado o inquérito policial, diversas diligências serão realizadas com o objetivo de coletar provas relacionadas à autoria e à materialidade da infração penal.
O artigo 6º do Código de Processo Penal (CPP) apresenta um rol exemplificativo de diligências que podem ser realizadas. Trata-se de uma lista sugestiva, ou seja, a autoridade policial não está obrigada a seguir estritamente as ações ali descritas.
O dispositivo legal prevê:
Art. 6º – Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I – Dirigir-se ao local do crime, providenciando para que o estado e a conservação das coisas não sejam alterados até a chegada dos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862/1994)
II – Apreender os objetos relacionados ao fato, após liberados pelos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862/1994)
III – Colher todas as provas que possam contribuir para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
IV – Ouvir o ofendido;
V – Ouvir o indiciado, observando as garantias previstas no Capítulo III do Título VII do CPP, e lavrando o respectivo termo, que deverá ser assinado por duas testemunhas que presenciaram sua leitura;
VI – Proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas, bem como realizar acareações;
VII – Determinar, quando necessário, a realização de exame de corpo de delito e outras perícias;
VIII – Ordenar a identificação do indiciado por meio do processo datiloscópico, se possível, além de juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais;
IX – Investigar a vida pregressa do indiciado, considerando aspectos individuais, familiares, sociais, econômicos, além de sua atitude e estado de ânimo antes, durante e depois do crime, bem como outros elementos que possam auxiliar na análise de seu temperamento e caráter;
X – Colher informações sobre a existência de filhos, suas idades, se possuem deficiência, e o nome e contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)
Dessa forma, o Delegado de Polícia detém ampla discricionariedade para conduzir o inquérito policial, podendo definir as diligências necessárias e o melhor rumo a seguir, conforme as conveniências do caso e a estratégia adotada para a apuração dos fatos.